Quando se fala em “ judicialização da saúde ”, logo surge na mente dos profissionais da área a preocupação com o rumo que a relação en...
Quando se fala em “judicialização da saúde”, logo surge na mente dos profissionais da área a preocupação com o rumo que a relação entre Saúde e Direito está seguindo.
Os mais experientes recordam-se de que, até cerca de 20 anos atrás, não havia tantos processos (judiciais: cíveis e criminais) e disciplinares (nos Conselhos de Classe) instaurados contra agentes e estabelecimentos de saúde, sejam públicos, sejam privados. Não havia, também, um número tão grande de condenações.
Já nos dias atuais, a judicialização da saúde cresce em escala exponencialmente feroz. A cada ano, o número de demandas judiciais aumenta em dobro ou, em alguns Estados, no triplo, numa verdadeira progressão geométrica.
Somado às já conhecidas deficiências do sistema de saúde pública – destacando-se a falta de estrutura, de insumos e de pessoal para atender a demanda de necessitados –, o alarmante cenário de litigiosidade inevitavelmente contribui para aumentar o estresse, para intensificar a postura defensiva no exercício profissional, para reduzir os sentimentos de empatia e comiseração aos enfermos, e, no fim, para o distanciamento na relação do profissional de Saúde com os pacientes.
As demandas judiciais contra profissionais da Saúde vêm crescendo em escala vertiginosa; mas pouco se tem realizado no sentido de aferir os motivos desse aumento e o que se pode fazer para cessá-lo ou, ao menos, freá-lo.
Dentre múltiplos fatores jurídicos, políticos e sociais que conduziram e conduzem à crescente judicialização da Saúde, elegemos como objeto da presente explanação a relação dos Enfermeiros, Auxiliares e Técnicos de Enfermagem com os pacientes sob seus cuidados.
Em tempos pretéritos se entendia que a saúde seria a ausência de doença. Mas atualmente vem prevalecendo uma visão mais holística, abrangente, inter-relacionada e definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de afeções e enfermidades. Mais do que a integridade morfológica, funcional e orgânica, a saúde considera que vetores sociais, trabalhistas, familiares, econômicos, e inúmeros outros podem causar ou incrementar enfermidades e estados biopsíquicos prejudiciais ao indivíduo.
Fala-se, portanto, em humanização da assistência em Saúde. O atendimento humanizado é pautado nas melhores virtudes do ser humano: empatia, tolerância, atenção, urbanidade, solidariedade. É querer a convalescência do paciente e demonstrar isso por meio de posturas, atitudes e da adoção das melhores práticas disponíveis para que esse objetivo seja atingido com o menor sofrimento possível, como, por exemplo, informar melhor, comunicar-se melhor, diagnosticar com mais precisão as determinantes e condicionantes de cada caso, e reagir melhor a eventos repentinos indesejados.
Fala-se, por igual, em prestação do serviço de Saúde com foco no doente, e não na doença, tudo para permitir o resgate do grau de empatia e da solidariedade que existia tempos atrás.
Com base em pesquisas e experiências práticas, especialistas e instituições renomadas afirmam que a empatia no desempenho da atuação em Saúde causa uma mudança positiva interna nos profissionais e também nos pacientes. Exercendo as referidas virtudes, os profissionais da Saúde agregam inteligência emocional, tornam-se mais atenciosos e mais cautelosos, e, além disso, recebem um feedback mais gratificante (reconhecimento de seus esforços, agradecimentos), o que faz reduzir drasticamente a ocorrência de iatrogenias. Da parte dos pacientes, estes, ao serem tratados com mais atenção, adquirem uma maior compreensão do fardo carregado pelos profissionais que o atendem e, nesse passo, adquirem um maior grau de tolerância quanto a eventuais falhas ou resultados adversos. Tudo isso resulta em melhoria na prestação do serviço público e em redução da judicialização.
E, no complexo de funções pertinentes ao serviço de Saúde, os Enfermeiros, Auxiliares e Técnicos de Enfermagem situam-se “na linha de frente” e na retaguarda, pois a equipe de Enfermagem concretiza a prescrição médica, executa diretamente as providências de cuidado e manutenção dos pacientes, e está em contato mais direto e frequente com os enfermos aos seus cuidados. A mítica denominação “Anjos de Branco” muito bem se aplica a esses nobres profissionais, os quais, cumprindo extenuantes jornadas de labor intenso e em condições inferiores ao ideal, estão sempre de prontidão em benefício de seus enfermos.
Em sendo assim, constata-se que a relação entre os profissionais da Saúde (mormente Enfermeiros, Auxiliares e Técnicos de Enfermagem) e seus pacientes precisa ser (re)vista como vetor que influencia na promoção da Saúde dos indivíduos e na prevenção de demandas judiciais. Consequentemente, a afluência de virtudes no trato do paciente mostra-se relevante, necessária e útil para a (re)valorização da profissão.
Verifica-se, ainda, que a humanização do atendimento em Saúde deve ser ensinada, refletida, introjetada no âmago subjetivo dos profissionais e, principalmente, ser colocada em prática. Logo, teoria, aprendizado, conscientização e prática são alcançáveis por meio da elaboração e atualização de protocolos clínicos, de palestras periódicas, de gerenciamento de riscos, de reuniões em grupo e de planejamento de metas de curto, médio e longo prazos, tudo de acordo com a peculiaridades locais e de cada estabelecimento de Saúde.
Contribuiu com este Artigo:
Thomaz de Souza Delvizio
Advogado no Estado do MS (principalmente em Campo Grande), atuante na área de responsabilidade civil, penal e disciplinar de profissionais da Saúde, bem como na assessoria preventiva e litigiosa de instituições de Saúde. Pós-graduado em Direito Constitucional e pós-graduando em Direito Médico.
e-mail: thomazsd@hotmail.com | Linkedin
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